caminhos, covarde, devaneio, textos

Desatino.

O sol começava a sumir no horizonte. Confundindo-se entre os prédios gigantescos, sua luz diminuía, como se estivesse prestes a se apagar. O tom avermelhado misturava-se ao céu azul-escuro que começava a mergulhar na escuridão. Imperceptível e silencioso, o sol desapareceu na noite que tornava-se cada vez mais densa, palpável. As luzes da cidade tomavam agora o lugar antes ocupado pela estrela brilhante.

Ele, observando o céu e a cidade pouco conhecida ao seu redor, caminhava em direção à sua rotina de cada início de noite. A música no fone de ouvido dava tom a cada rua que atravessava, proporcionando a sensação ambígua de liberdade e arrependimento. A vontade de correr e fugir de todas as lembranças e pensamentos que o prendiam como âncora no mar tomava conta da sua cabeça. No mesmo instante, lembrava do sorriso e do efeito encantador daquela que amava. O coração, então, pesava. Olhou para o horizonte e se perguntou onde ela estaria naquele momento. Enquanto ele tornava-se cada dia um pouco mais desleal – pensando nas suas atitudes tanto quanto alguém que atravessa uma rua desatentamenteela ainda esperava o telefone tocar ansiosamente, na esperança de ouvir sua voz. Pensou, tristemente, na pessoa que ele era – muito diferente da que dizia ser.

Empurrou a porta da lanchonete e fixou seu olhar na mulher que o prendia pelo incompreensível e proibido – viver em meio ao que se desconhece para ele no princípio pareceu detestável. Entretanto, não demorou muito para isto tornar-se o melhor atrativo do enigma que ela representava. Não sabia como explicar, mas ela o fazia tornar-se levemente negligente com o que antes considerava convicções e princípios. Conversavam amenidades, na mesma mesa que os recebia diariamente. Aquela mesa guardava consigo todas as lembranças e planos para o futuro que faziam entre as mãos entrelaçadas. Planos estes que eram quebrados com tanta frequência quanto os palitos retirados distraidamente do paliteiro – partidos ao meio sem o menor esforço – durante uma conversa distraída. Mesmo assim, ele prendia-se àquela vida errônea de aventuras e mistérios, vida esta tão obscura quanto o coração dela.

O anel no dedo o denunciava, mas ela não parecia importar-se. Ele, entretanto, sentia o peso que ele representava e as memórias incrustadas em cada átomo do material que o constituía. Sorriam, porém, dos caminhos distintos que a vida tinha destinado para cada um e da forma que de repente, haviam se cruzado, apesar das diversas placas de Pare no meio da estrada. Todos os dias, o mesmo café os esperava. Lutavam para deixar a vida real de fora das portas de vidro do estabelecimento e conseguiam fazê-lo no momento em que se abraçavam. Lá fora, outras duas vidas ignoravam o que acontecia. Enganadas pelas mesmas mãos que entrelaçavam em outras, pelos mesmos olhares que cruzavam com outros, pelos mesmos lábios que beijavam outra boca.

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19 comentários sobre “Desatino.

  1. Olá, adorei o seu blog, ao ler alguns posts, vi que você é uma pessoa esforçada que só quer falar e ser ouvida na blogosfera, assim como eu. Posso dizer que gostei muito do que li, vc tem um potencial enorme e sei que será um grande blog de fácil entendimento e conteúdo gostoso de ler. Sou Luciana Shirley do blog http://coisasecoisasdalu.blogspot.com.br/ se desejar me visite e siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.

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  2. Interessante esse teu texto. Incrível como algumas pessoas realmente não se sentem culpadas por estar traindo alguém, talvez o relacionamento não esteja bom, tudo bem, mas as mentiras não são justificáveis, a deslealdade não sai impune por causa disso. Gostei. beijo

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